Laura Marling

Publicado em Abril de 2010 na Time Out:


Laura Marling
I Speak Because I Can
Virgin/EMI
****
Não é expectável que alguém, aos 20 anos, encerre um disco já mais do que suficientemente admirável com uma canção da sua autoria cujos primeiros versos dizem que “My husband left me last night/ Left me a poor and lonely wife/ I cook the meals and he got the life”. Ainda por cima, que isto lhe saia da boca de uma forma mais do que convincente (e não, por exemplo, como se fosse uma concorrente do Ídolos a ginasticar as cordas vocais, preparando o futuro como estrela do karaoke) e que, durante aqueles quatro minutos, a esposa desprezada pudesse ser Laura Marling. Mas ela consegue-o. E é por isso e muito mais que ela, Laura Marling, é a cantora e compositora de pop-rock mais empolgante que a Inglaterra deu ao mundo desde, pelo menos, P.J. Harvey.

I Speak Because I Can é o seu segundo álbum (estreou-se a solo em 2007 com Alas I Cannot Swim, nomeado para o sobrevalorizado Mercury Prize) e não apetece sair dele. Não apetece largar a folk sulfurosa, esparsa de meios mas ainda assim monumental quando chega aos ouvidos (“Devil’s Spoke”), com os seus fantasmas de outras vozes atravessando o espaço. Não apetece largar os momentos em que Marling escolhe ser intimista sem ser frágil (“Made by Maid”) nem abusar do devaneio diarístico (em “Blackberry Stone” ela “fala” com alguém com quem acaba de romper, tira lições sem atraiçoar a memória e percebe que tem de seguir em frente, e faz tudo isto sem jamais apelar à compaixão). Não apetece decidir se a dita folk sulfurosa é mais americana ou britânica (“Alpha Shallows” e “Hope in the Air”, flutuantes e majestosas). Não apetece desatar a ambiguidade em que “Darkness Descends” existe.

Na voz de Laura Marling há partículas de Chrissie Hynde, Jane Siberry, Harriet Wheeler, k.d. lang, Emmylou Harris, Joni Mitchell, Lily Allen e Laura Nyro. Há também um génio precoce, a que a produção minuciosa de Glyn Johns dá a moldura certa. E o melhor de tudo é que isto, para Laura Marling, parece ser só o princípio.

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