Kanye

Com uma dose maciça de caridade e de consideração pelo seu percurso anterior, My Beautiful Dark Twisted Fantasy mereceria três estrelas (em cinco). Auto-indulgente, barroco no mau sentido, surpreendentemente desinspirado, self-righteous, umbiguista. Decepcionante. Tem uma nuvem cinzenta a pairar sobre os seus 78 minutos. Ou seja, é um disco para a demografia indie. Francamente, daqui para a frente é de esperar o pior.

Comentários

Ricardo disse…
Auto-indulgente? Barroco? Self-righteous? Umbiguista?

Ou seja, estás a pôr o Kanye em cheque por... ser aquilo que tem sido desde sempre.
Está bem, então.
Jorge Lopes disse…
Há uma enorme diferença entre ser egocêntrico mas investir essa característica em colecções de canções; e deixar que as suas idiossincrasias entrem em roda livre e estacionem à frente dos temas - como me parece que sucede no disco novo, que é um resumo apagado, medíocre mas insuflado do que ele já fez até hoje.

E não me recordo de o achar barroco antes. Quando muito em partes do 808s..., mas nesse disco havia um pretexto imediato perfeitamente compreensível para todo aquele ambiente - além de uma consistência e unidade de visão que não encontro, de todo, no disco novo.
Ricardo disse…
Ora aí está o nosso pomo de discórdia. Se alguma coisa, O My Dark Twisted Fantasy reforça que o Kanye West é, cada vez mais, essa raridade nos dias que correm: uma estrela de topo que ainda pensa nos álbuns enquanto realmente isso. Nenhum dos LP's dele é uma coleção arbitrária de canções, em que os singles óbvios são logo postos à frente e o resto serve apenas para conjugar o verbo "encher". São corpos inteiros, com altos e baixos, em que sentes que há uma espécie de andamento próprio de uma história. Nem está em causa se os álbuns constituem, eles mesmos, histórias ou conceitos. O que importa reter é que o Kanye é dos poucos que, na esfera mainstream atual, ainda pensa os álbuns de modo clássico - o único que faz, de facto, sentido. No fundo, ele ainda encara os álbuns tal como eles eram supostos ser na era pré-iTunes.
De resto, se toda a histeria pós-invasão de palco nos VMA's 2009 e o estatuto de praticamente pária que ele ganhou entretanto não constitui motivo suficiente para erguer uma obra barroca, então (quase) nada serve.
Jorge Lopes disse…
Fazer álbuns como "antigamente", com uma estrutura narrativa, até é uma coisa simpática. Pena que, no caso, o disco seja demasiado desinteressante (aos meus ouvidos) e a narrativa demasiado umbiguista para se aguentar sobre as duas pernas durante 70 e tal minutos.

Presumo que o teu último parágrafo seja um exercício de surrealismo. O tipo faz 1 disparate nos VMAs, é criticado por uns e desculpado/ defendido por outros, e isso torna-o um pária? Presumo que se, ele lesse as notícias, talvez sentisse menos premência em fazer um disco choramingas sobre o quão incompreendido ele é. Chama-se sentido de perspectiva.
Ricardo disse…
Com todo o respeito, acho que tu é que não andas a ler as notícias. Sim, o tipo fez um disparate, é um facto indesmentível. Mas sabes que mais? À data, ele já era useiro e vezeiro nesse tipo de palhaçadas.
Porquê, então, tanta celeuma em volta daquela em particular? É simples: do outro lado, estava uma cantora country-pop. Bastante nova, ainda por cima. Significa isto o quê? Fácil: o sub-texto racial que a divisória hip-hop/country há muito carrega. Se tu lesses/ouvisses certas análises, até parecia que o Grande Monstro Negro Mau tinha tentado matar a Pobre Dama Branca Frágil. Era precisamente a isto que me referia quando falei da histeria pós-VMA's 2009.

De resto, quanto a discos choramingas, a Taylor Swift é a especialista-mor da atualidade. A carreira inteira dela resume-se a isso. Uma pessoa, quando a ouve, fica com a ideia que o mundo inteiro feriu-lhe os sentimentos e que ela nunca passou de de uma vítima indefesa. Na minha terra, chamam a isto de Cantiga da Coitadinha.
Jorge Lopes disse…
Estás a confundir canções de amor e de coming of age escritas por uma mulher de 21 anos com a Cantiga da Coitadinha. E a carreira dela não se resume, de todo, a isso.

Não acompanhei de todo a polémica dos VMAs. Na verdade, só me apercebi por completo do que aconteceu há umas semanas, quando escrevi sobre o álbum. Logo, nem fazia ideia que se haviam escritos tratados semióticos sobre o assunto. Nada contra esse tratados, mas quando falava em ler as notícias referia-me a coisas, tipo, política, guerra, crise económica, por aí.

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