Eminem

Publicado em Julho de 2010 na Time Out:


Eminem
Recovery
Aftermath/Universal
****

Não negando a mestria da empreitada, as reacções críticas a Recovery têm-se fixado numa sensação de cansaço da auto-comiseração de Eminem, dos seus recorrentes lamentos de incompreensão. É de desconfiar se estes ouvintes passaram, mentalmente, das três primeiras faixas mas sim, o egocentrismo corre com frequência ao longo deste disco, e se calhar a metafórica saída de casa era capaz de não fazer mal algum a Eminem. Mas também não faltam os momentos de humor escurinho e de violência esticada até à caricatura. Já as tiradas ad hominem do passado partilham desta vez o protagonismo com exortações positivas a gente morta (Proof) e viva (Kanye West merece duas menções – e há momentos em que Recovery acrescenta peças ao vitral de desolação de 808s & Heartbreak).

Eminem lamenta o quão sozinho se sente neste mundo, e as fotos da dupla capa sublinham o efeito: Eminem caminhando sozinho pela estrada, de costas para o ouvinte; Eminem fechado numa gaiola de vidro, o interior uma sala de estar com televisão e livros sobre a mesa. Dito isto, Recovery também contém várias histórias de redenção em tudo semelhantes ao que se ouve (e celebra) em muitos outros nomes do r&b e do hip-hop.

Recovery é outro disco muito inspirado de Eminem. São quase 80 minutos de canções fortes, a supervisão de Dr. Dre não permitindo a entrada de gorduras ou indulgências sónicas. Um disco variado mas sempre com nuvens carregadas lá na linha do horizonte. DJ Khalil destaca-se entre os vários produtores de campo, e os poucos convidados têm entradas em cena irrepreensíveis: Rihanna, Lil Wayne e, sobretudo, Pink em “Won’t Back Down”. O uso de samples óbvios de temas clássicos prova aqui que está longe de ser uma linguagem esgotada – é ouvir como “Changes” dos Black Sabbath fornece o tronco para “Going Through Changes”, ou como o ambiente lírico receoso de “What Is Love” de Haddaway passa na íntegra para “No Love”. Além disso, Eminem continua a ser uma das vozes mais enérgicas, virtuosas e impressionantes que o hip-hop já recebeu, mesmo que ainda projecte uma persona com a qual é difícil simpatizar. Sendo mais do mesmo, o “mesmo” de Recovery apresenta-se especialmente depurado, pulsante e, por estranho que pareça, várias vezes positivo.

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