Margaret Atwood

Publicado na Time Out em Junho de 2010:


Desforra
***
Margaret Atwood
Bertrand, 14,85€

O penúltimo livro de Margaret Atwood põe em papel cinco intervenções da escritora canadiana nas Palestras de Massey, transmitidas via rádio em 2008. Nestas palestras é costume reflectir-se sobre problemas contemporâneos, e não há-de existir tópico muito mais premente do que o escolhido por Atwood – a dívida.

Em 160 páginas, e usando o habitual humor finamente irónico e uma não menos habitual linguagem clara e directa, Margaret Atwood desmonta com precisão arqueológica a abundante etimologia de palavras como “dívida” e “pecado”. Outras manifestações de dívida ao longo da História são retrospectivadas, da escravidão aos penhores. Mais o Comedor de Pecados, o bode expiatório e os sacrifícios humanos. É a partir do século XIX (sem coincidência, o século onde o capitalismo eclode, ainda sem uma estrutura social para amortecer os altos e baixos da economia) que a dívida invade a literatura, d’A Fogueira das Vaidades de William Thackeray a Madame Bovary de Gustave Flaubert e A Cabana do Pai Tomás de Harriet Beecher Stowe, mas quem merece atenção microscópica é uma obra complexa e bem mais antiga: O Mercador de Veneza de Shakespeare.

Mas onde é que Desforra pretende chegar com todas as recapitulações teológicas, históricas e literárias? Está tudo na última palestra. Embora não sendo uma obra de ficção, Atwood usa aqui o mesmo método de lenta desocultação que se encontra nas suas narrativas, e levado a um extremo que exige uma certa perseverança do leitor. A última palestra actualiza a visita dos Espíritos dos Três Dias da Terra a Ebenezer Scrooge (do Conto de Natal de Charles Dickens), e o cenário é de colapso económico e ambiental. O tom e os argumentos são suficientemente sérios para alarmar qualquer pessoa com dois dedos de testa. Crucialmente, a autora não alinha na patranha da responsabilização uniforme na inversão do ciclo de pilhagem do planeta. Em vez disso, é o capitalismo selvagem (com ligação directa ao cancelamento da dívida dos países pobres) e a cegueira religiosa que são chamados à primeira linha. Porque a desforra final, defende Maragaret Atwood com propriedade, pertencerá à Natureza.

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