Time Out 105
(Amália Hoje)
Fixem o número 40. Porque 40 mil é o número de discos que o projecto Amália Hoje já vendeu. E porque 40 é o numero músicos que vai ocupar o palco do Coliseu para celebrar o êxito de Amália versão pop. Nuno Gonçalves faz as contas com Jorge Manuel Lopes
Os concertos que vão preencher o primeiro terço de Outubro “marcam o final do ciclo Amália Hoje”, esclarece Nuno Gonçalves, o homem dos Gift a quem coube a tarefa de conceber o disco que reinventou um punhado de canções de Amália Rodrigues para um universo pop e, no caminho, obteve um imenso sucesso de vendas e airplay.
O Coliseu dos Recreios recebe a vasta produção Amália Hoje na segunda (esta data já tem lotação esgotada), terça e quarta-feira 7. No palco vão estar 23 músicos da Orquestra Sinfónica da República Checa, um coro misto de dez vozes, um baterista, um baixista, um guitarrista, Nuno Gonçalves nas teclas e o trio de vozes do projecto: Sónia Tavares, Paulo Praça e Fernando Ribeiro. “Não era nossa intenção fazer concertos, mas depois da recepção do público ao disco achámos que não fazia sentido sermos egoístas”, explica o “maestro” Gonçalves.
As actuações ao vivo “viverão do disco. Vamos recriar os temas do CD, mas também preparei outros temas”, igualmente popularizados pela rainha do fado, de forma a alargar o repertório disponível. Assim, no Coliseu também escutar-se-ão, pelo menos, “Com que Voz” e “Rasga o Passado”, ambas interpretadas pelos três cantores, embora na segunda faixa a voz de Paulo Praça tenha maior protagonismo. A música será envolta num “espectáculo cénico”.
O êxito de Amália Hoje teve uma amplitude invulgar (acaba de chegar à dupla platina, correspondente a vendas superiores a 40 mil exemplares) mas “não suplantou” as previsões de Nuno Gonçalves. “Se o conceito fosse bem comunicado, sabia que tudo ia funcionar bem. Essa era a barreira mais difícil. A nossa intenção era trazer Amália para uma nova geração, valorizando composições já com algumas décadas. Não se tratava de fazer uns Humanos Parte 2. As pessoas reagiram muito bem; só não esperava é que o volume de vendas fosse tão rápido. Hoje em dia, com a indústria como está, mais de 40 mil discos vendidos é gigante.”
Nuno Gonçalves diz que já viu, nas primeiras filas dos concertos de aquecimento dos Amália Hoje, “a avó que se calhar testemunhou a Amália ao vivo, ao lado do neto, que está ali por causa da ‘Gaivota’”. Para ele, Gonçalves, isto é sinónimo de “objectivo alcançado”.
Nuno Gonçalves
Lembras-te do momento em que soubeste da morte de Amália?
Sim, estava no carro a chegar a Alcobaça. Não altura não liguei muito à notícia porque para mim a Amália era uma eterna desconhecida. Mas fiquei um bocado chocado. Pensei que ia estar mais tempo entre nós e na música. Mas não cheguei a casa e fui ouvir os discos dela.
Amália gravou temas em inglês, italiano, francês, espanhol. Achas que essas gravações valem por si, ou só têm o valor da curiosidade por serem cantadas por quem são?
Não, acho que há um grande conceito por trás de tudo isso, o que, hoje em dia, parece-me muito curioso. A Amália é um grande ícone da música portuguesa, mas os defensores dela esquecem-se muitas vezes dessas gravações. A música só beneficia com o não fechar de balizas. É bom chegar a outros mercados
Que canção dos Gift pedirias à Amália para cantar, e porquê?
Essa é tramada! [Silêncio] O “Front of”, a primeira música do Film. Ela cantaria esse tema muito bem. De caras.
(David Ferreira)
Para a semana há mais uma compilação de Amália nas lojas. E se calhar não: Coração Independente é o resultado de uma romagem às fitas originais da rainha do fado. David Ferreira diz a Jorge Manuel Lopes que “o som de Amália está melhor que nunca”
É muito difícil que haja alguém que mais e melhor perceba da carreira de Amália Rodrigues do que David Ferreira. O homem que dirigiu a EMI – Valentim de Carvalho até 2007 (foi na V.C. que Amália gravou o bloco mais significativo da sua obra) foi agora chamado para tratar da escolha do repertório de Coração Independente, compilação com duas encarnações: um disco simples com 20 faixas; e uma edição exclusiva para a Fnac com dois CDs e 35 temas, mais textos de José Manuel dos Santos e do próprio David Ferreira.
Todas canções que se escutam em Coração Independente, de “Gaivota” e “Aie, Mourir pour Toi” a “Povo que Lavas no Rio” e “The Nearness of You”, foram objecto de minuciosa remasterização pelas mãos de Jorge Cervantes, técnico e músico peruano. David Ferreira conta que se recorreu às fitas originais gravadas por Amália entre 1952 e 1975, “um período onde a tecnologia mudou loucamente. Entre material em mono e em estéreo, era preciso mexer muito nas coisas”. A atenção de Cervantes à limpeza das fitas e a questões de dinâmica e à afinação dos instrumentos está, diz David Ferreira, acima da média: “Nunca trabalhei com um técnico assim, com tanto e tão diversificado conhecimento.”
Em Coração Independente tanto há canções em mono como em estéreo: “Tentámos aproximar a qualidade sonora de todas os temas usando como referência as gravações que nos pareceram em melhor estado”. O resultado, garante, é “um trabalho absolutamente fantástico. O som da Amália está melhor do que nunca”. Um som que também será testemunhado na sala de escuta que o CCB reservou para a exposição Amália, Coração Independente (ver texto na página 21), já que o disco foi feito em sintonia com a mostra.
Há ainda muita Amália para descobrir. “Há dezenas de temas inéditos”, revela David Ferreira. “A Amália gravava quando queria.” Para Novembro está prevista a saída de recolhas de canções de Amália Rodrigues em italiano, espanhol e francês, e ainda sobra um desejo de David Ferreira para o Natal de 2009: o lançamento de uma edição de coleccionador, de novo remasterizada a partir das fitas originais, do álbum Com que Voz, de 1970 – “mas não sei se tenho tempo…”.
David Ferreira
Qual é a tarefa mais urgente que falta fazer pelo legado de Amália?
Há imensa coisa. Continuar a catalogação é uma prioridade. Muito trabalho importante nesse sentido foi feito pelo Jorge Mourinha (com a ajuda do Hugo Ribeiro), e esse trabalho ainda constitui a referência, mas os critérios vão mudando, sobretudo em termos informáticos. Também tem que se fazer uma história das sessões de Amália; há zonas de sombra, principalmente na forma como mudam os músicos que a acompanham ao longo dessas sessões. Era preciso fazer umas Amália Sessions. Catalogar o arquivo vídeo é igualmente importante. E falta fazer uma história da relação da Amália com os poetas.
Tem conhecimento de gravações de Amália perdidas pelo mundo, difíceis de encontrar?
Há coisas identificadas, das quais a Valentim de Carvalho está na pista. Há sempre várias coisas que se achavam perdidas e que sempre se encontram. Dou-lhe um exemplo: há 15 anos, quando a CBS americana passou para a Sony, foi necessário esvaziar um armazém. Nesse processo, encontrou-se uma caixa com gravações que o Frank Sinatra havia gravado para os soldados durante a II Guerra Mundial, e aquilo depois deu para uma data de discos. Sabe, as editoras têm de trabalhar sobre a novidade – e ainda bem.
O que acha do projecto Amália Hoje?
Não ouvi bem. Não me pronuncio.
The Legendary Tigerman (entrevista)
(Teratron)
Quem é este par de faces escondidas por capuzes que parece brotar de um imenso esgoto? Os Teratron são a trepidante encarnação electrónica e dançável de João Nobre e Pedro Quaresma. Sim, os mesmos que cuidam do baixo e da guitarra nos Da Weasel. O álbum de estreia chegou esta semana e merece ampla atenção.
Já tinham vontade de fazer uma coisa assim, longe dos Da Weasel, há muito tempo?
Pedro Quaresma: Acho que sim. Já tínhamos chegado a fazer coisas para o nosso umbigo, incluindo uma remistura para os próprios Da Weasel.
João Nobre: Somos duas pessoas que odeiam estar paradas, sem fazer nada, a olhar para o tecto e ver o tempo passar. Aproveitámos todos os pequenos momentos que tínhamos, os intervalos nas tournées, todos os tempos mortos, para ir para estúdio e começar a brincar. Mas as nossas digressões são muito intensas, não dão para tempo para pensar em muita coisa.
Foi um disco gerado em suaves prestações, portanto.
JN: Tudo começou com um tema que nos deixou muito entusiasmados, a pensar que se calhar valia a pena continuar a trabalhar e a brincar com as músicas. Foi o que aconteceu. De repente, já tínhamos duas, três, quatro, e daí surgiu o disco.
A sonoridade electrónica dançável que se ouve em Teratron, e que nada tem a ver com os Da Weasel, é uma coisa que sempre vos interessou?
JN: Sim. Há mesmo muito tempo que queríamos fazer qualquer coisa deste género. É uma área da música de que sempre fomos fãs, e íamos pensando, “Porque não, um dia destes, sair um pouco da nossa esfera e experimentar outros territórios, outros ambientes, outras paisagens?”.
O texto auto-introdutório que se lê no vosso MySpace menciona alguns nomes que vos influenciaram, como Afrika Bambaataa, The Prodigy, a editora Ed Banger, Michael Mayer e os Chemical Brothers. Então e os Daft Punk? Do som ao imaginário de dupla “misteriosa” que vocês cultivam, parece-me a referência mais evidente para o que vocês fazem.
JN: Absolutamente. Acho que [a influência Daft Punk] está bem presente no disco. É, sem dúvida, uma das duplas que mais admiramos e uma das nossas maiores inspirações. Temos tudo deles, desde o primeiro disco.
Os corpos sem cara que aparecem nas vossas fotografias são uma forma de se “esconderem” atrás de umas personagens?
JN: Apenas queremos que a música vá à frente, e não os nomes. Depois, deu-nos um gozo tremendo criar todo este imaginário, e temos tido bom feedback. E com este tipo de bonecos dá para fazer muita coisa gira, dá para trabalhar de uma forma bastante criativa. Isto, para nós, é algo novo. Temos uma carreira como músicos que já vai para 20 anos, mas esta é uma oportunidade de fazer uma coisa diferente.
Pela maneira como falas, este é um projecto que não vai esgotar-se no álbum.
JN: Não. Ainda vem aí muita coisa, mas estamos a dar os primeiros passos. E também queremos levar isto para o palco.
Idealmente, o que é que as pessoas deviam estar a fazer enquanto ouvem esta música?
JN: Já pensei nisso tanta vez [risos]. Ao contrário do que se possa pensar, eu acho que este não é um disco de clube, de pista. Vejo-me mais a ouvir isto no carro, em altos berros…
PQ: Depois da meia-noie. Acho que é um disco para ouvir-se com atenção, de uma ponta à outra.
(Teratron)
Teratron
Teratron
The Red Kids/ EMI
Em escalas distintas e para públicos não inteiramente coincidentes, os Buraka Som Sistema e os Photonz (e a lista aumenta se se vasculhar em alguns nichos) encontraram na música de dança a linguagem global certa para que eles e as suas produções pulem fronteiras com toda a naturalidade. Uma naturalidade que, por questões culturais, a pop e o rock português (sobretudo o que é cantado em inglês, mas o bloqueio está muito para lá das questões de idioma) muito dificilmente algum dia “conquistarão” – e sim, a naturalidade também se manufactura.
O álbum de estreia da dupla Teratron também usa o esperanto da música de dança, e com uma fluência algo surpreendente para quem agora mostra as suas primeiras músicas em público. Uma surpresa que aumenta mais um pouco quando se sabe que este é um projecto de João Nobre e Pedro Quaresma, baixista e guitarrista dos Da Weasel. Não é frequente os músicos de longa data de bandas de sucesso lançarem-se em aventuras paralelas que nada têm a ver com o som que os tornou conhecidos, mas aqui não há dúvidas: exceptuando, vá lá, os socos de baixo funky que assomam pontualmente durante “Miss Monique” e a guitarra à Prince que fustiga “Little Little Pussy”, os Teratron e os Da Weasel são coisas radicalmente diferentes. Teratron progride quase como uma megamix; tem é mais subtilezas e mudanças de tonalidades. No jogo de forças entre o electro e o house que dura durante as dez faixas, o festim ritmíco directo do house começa levar uma certa dianteira, mas é mais perto do electro abrasivo que o disco se conclui. A sombra dos Daft Punk paira sobre todo este álbum febril; sente-se nas cores carregadas e na tridimensionalidade do som, e sente-se no óptimo conceito visual da dupla semi-anónima, meio super-heróis, meio marginais. Melhor referência não há, e cola-se bem a um disco físico, afogueado.
Fixem o número 40. Porque 40 mil é o número de discos que o projecto Amália Hoje já vendeu. E porque 40 é o numero músicos que vai ocupar o palco do Coliseu para celebrar o êxito de Amália versão pop. Nuno Gonçalves faz as contas com Jorge Manuel Lopes
Os concertos que vão preencher o primeiro terço de Outubro “marcam o final do ciclo Amália Hoje”, esclarece Nuno Gonçalves, o homem dos Gift a quem coube a tarefa de conceber o disco que reinventou um punhado de canções de Amália Rodrigues para um universo pop e, no caminho, obteve um imenso sucesso de vendas e airplay.
O Coliseu dos Recreios recebe a vasta produção Amália Hoje na segunda (esta data já tem lotação esgotada), terça e quarta-feira 7. No palco vão estar 23 músicos da Orquestra Sinfónica da República Checa, um coro misto de dez vozes, um baterista, um baixista, um guitarrista, Nuno Gonçalves nas teclas e o trio de vozes do projecto: Sónia Tavares, Paulo Praça e Fernando Ribeiro. “Não era nossa intenção fazer concertos, mas depois da recepção do público ao disco achámos que não fazia sentido sermos egoístas”, explica o “maestro” Gonçalves.
As actuações ao vivo “viverão do disco. Vamos recriar os temas do CD, mas também preparei outros temas”, igualmente popularizados pela rainha do fado, de forma a alargar o repertório disponível. Assim, no Coliseu também escutar-se-ão, pelo menos, “Com que Voz” e “Rasga o Passado”, ambas interpretadas pelos três cantores, embora na segunda faixa a voz de Paulo Praça tenha maior protagonismo. A música será envolta num “espectáculo cénico”.
O êxito de Amália Hoje teve uma amplitude invulgar (acaba de chegar à dupla platina, correspondente a vendas superiores a 40 mil exemplares) mas “não suplantou” as previsões de Nuno Gonçalves. “Se o conceito fosse bem comunicado, sabia que tudo ia funcionar bem. Essa era a barreira mais difícil. A nossa intenção era trazer Amália para uma nova geração, valorizando composições já com algumas décadas. Não se tratava de fazer uns Humanos Parte 2. As pessoas reagiram muito bem; só não esperava é que o volume de vendas fosse tão rápido. Hoje em dia, com a indústria como está, mais de 40 mil discos vendidos é gigante.”
Nuno Gonçalves diz que já viu, nas primeiras filas dos concertos de aquecimento dos Amália Hoje, “a avó que se calhar testemunhou a Amália ao vivo, ao lado do neto, que está ali por causa da ‘Gaivota’”. Para ele, Gonçalves, isto é sinónimo de “objectivo alcançado”.
Nuno Gonçalves
Lembras-te do momento em que soubeste da morte de Amália?
Sim, estava no carro a chegar a Alcobaça. Não altura não liguei muito à notícia porque para mim a Amália era uma eterna desconhecida. Mas fiquei um bocado chocado. Pensei que ia estar mais tempo entre nós e na música. Mas não cheguei a casa e fui ouvir os discos dela.
Amália gravou temas em inglês, italiano, francês, espanhol. Achas que essas gravações valem por si, ou só têm o valor da curiosidade por serem cantadas por quem são?
Não, acho que há um grande conceito por trás de tudo isso, o que, hoje em dia, parece-me muito curioso. A Amália é um grande ícone da música portuguesa, mas os defensores dela esquecem-se muitas vezes dessas gravações. A música só beneficia com o não fechar de balizas. É bom chegar a outros mercados
Que canção dos Gift pedirias à Amália para cantar, e porquê?
Essa é tramada! [Silêncio] O “Front of”, a primeira música do Film. Ela cantaria esse tema muito bem. De caras.
(David Ferreira)
Para a semana há mais uma compilação de Amália nas lojas. E se calhar não: Coração Independente é o resultado de uma romagem às fitas originais da rainha do fado. David Ferreira diz a Jorge Manuel Lopes que “o som de Amália está melhor que nunca”
É muito difícil que haja alguém que mais e melhor perceba da carreira de Amália Rodrigues do que David Ferreira. O homem que dirigiu a EMI – Valentim de Carvalho até 2007 (foi na V.C. que Amália gravou o bloco mais significativo da sua obra) foi agora chamado para tratar da escolha do repertório de Coração Independente, compilação com duas encarnações: um disco simples com 20 faixas; e uma edição exclusiva para a Fnac com dois CDs e 35 temas, mais textos de José Manuel dos Santos e do próprio David Ferreira.
Todas canções que se escutam em Coração Independente, de “Gaivota” e “Aie, Mourir pour Toi” a “Povo que Lavas no Rio” e “The Nearness of You”, foram objecto de minuciosa remasterização pelas mãos de Jorge Cervantes, técnico e músico peruano. David Ferreira conta que se recorreu às fitas originais gravadas por Amália entre 1952 e 1975, “um período onde a tecnologia mudou loucamente. Entre material em mono e em estéreo, era preciso mexer muito nas coisas”. A atenção de Cervantes à limpeza das fitas e a questões de dinâmica e à afinação dos instrumentos está, diz David Ferreira, acima da média: “Nunca trabalhei com um técnico assim, com tanto e tão diversificado conhecimento.”
Em Coração Independente tanto há canções em mono como em estéreo: “Tentámos aproximar a qualidade sonora de todas os temas usando como referência as gravações que nos pareceram em melhor estado”. O resultado, garante, é “um trabalho absolutamente fantástico. O som da Amália está melhor do que nunca”. Um som que também será testemunhado na sala de escuta que o CCB reservou para a exposição Amália, Coração Independente (ver texto na página 21), já que o disco foi feito em sintonia com a mostra.
Há ainda muita Amália para descobrir. “Há dezenas de temas inéditos”, revela David Ferreira. “A Amália gravava quando queria.” Para Novembro está prevista a saída de recolhas de canções de Amália Rodrigues em italiano, espanhol e francês, e ainda sobra um desejo de David Ferreira para o Natal de 2009: o lançamento de uma edição de coleccionador, de novo remasterizada a partir das fitas originais, do álbum Com que Voz, de 1970 – “mas não sei se tenho tempo…”.
David Ferreira
Qual é a tarefa mais urgente que falta fazer pelo legado de Amália?
Há imensa coisa. Continuar a catalogação é uma prioridade. Muito trabalho importante nesse sentido foi feito pelo Jorge Mourinha (com a ajuda do Hugo Ribeiro), e esse trabalho ainda constitui a referência, mas os critérios vão mudando, sobretudo em termos informáticos. Também tem que se fazer uma história das sessões de Amália; há zonas de sombra, principalmente na forma como mudam os músicos que a acompanham ao longo dessas sessões. Era preciso fazer umas Amália Sessions. Catalogar o arquivo vídeo é igualmente importante. E falta fazer uma história da relação da Amália com os poetas.
Tem conhecimento de gravações de Amália perdidas pelo mundo, difíceis de encontrar?
Há coisas identificadas, das quais a Valentim de Carvalho está na pista. Há sempre várias coisas que se achavam perdidas e que sempre se encontram. Dou-lhe um exemplo: há 15 anos, quando a CBS americana passou para a Sony, foi necessário esvaziar um armazém. Nesse processo, encontrou-se uma caixa com gravações que o Frank Sinatra havia gravado para os soldados durante a II Guerra Mundial, e aquilo depois deu para uma data de discos. Sabe, as editoras têm de trabalhar sobre a novidade – e ainda bem.
O que acha do projecto Amália Hoje?
Não ouvi bem. Não me pronuncio.
The Legendary Tigerman (entrevista)
(Teratron)
Quem é este par de faces escondidas por capuzes que parece brotar de um imenso esgoto? Os Teratron são a trepidante encarnação electrónica e dançável de João Nobre e Pedro Quaresma. Sim, os mesmos que cuidam do baixo e da guitarra nos Da Weasel. O álbum de estreia chegou esta semana e merece ampla atenção.
Já tinham vontade de fazer uma coisa assim, longe dos Da Weasel, há muito tempo?
Pedro Quaresma: Acho que sim. Já tínhamos chegado a fazer coisas para o nosso umbigo, incluindo uma remistura para os próprios Da Weasel.
João Nobre: Somos duas pessoas que odeiam estar paradas, sem fazer nada, a olhar para o tecto e ver o tempo passar. Aproveitámos todos os pequenos momentos que tínhamos, os intervalos nas tournées, todos os tempos mortos, para ir para estúdio e começar a brincar. Mas as nossas digressões são muito intensas, não dão para tempo para pensar em muita coisa.
Foi um disco gerado em suaves prestações, portanto.
JN: Tudo começou com um tema que nos deixou muito entusiasmados, a pensar que se calhar valia a pena continuar a trabalhar e a brincar com as músicas. Foi o que aconteceu. De repente, já tínhamos duas, três, quatro, e daí surgiu o disco.
A sonoridade electrónica dançável que se ouve em Teratron, e que nada tem a ver com os Da Weasel, é uma coisa que sempre vos interessou?
JN: Sim. Há mesmo muito tempo que queríamos fazer qualquer coisa deste género. É uma área da música de que sempre fomos fãs, e íamos pensando, “Porque não, um dia destes, sair um pouco da nossa esfera e experimentar outros territórios, outros ambientes, outras paisagens?”.
O texto auto-introdutório que se lê no vosso MySpace menciona alguns nomes que vos influenciaram, como Afrika Bambaataa, The Prodigy, a editora Ed Banger, Michael Mayer e os Chemical Brothers. Então e os Daft Punk? Do som ao imaginário de dupla “misteriosa” que vocês cultivam, parece-me a referência mais evidente para o que vocês fazem.
JN: Absolutamente. Acho que [a influência Daft Punk] está bem presente no disco. É, sem dúvida, uma das duplas que mais admiramos e uma das nossas maiores inspirações. Temos tudo deles, desde o primeiro disco.
Os corpos sem cara que aparecem nas vossas fotografias são uma forma de se “esconderem” atrás de umas personagens?
JN: Apenas queremos que a música vá à frente, e não os nomes. Depois, deu-nos um gozo tremendo criar todo este imaginário, e temos tido bom feedback. E com este tipo de bonecos dá para fazer muita coisa gira, dá para trabalhar de uma forma bastante criativa. Isto, para nós, é algo novo. Temos uma carreira como músicos que já vai para 20 anos, mas esta é uma oportunidade de fazer uma coisa diferente.
Pela maneira como falas, este é um projecto que não vai esgotar-se no álbum.
JN: Não. Ainda vem aí muita coisa, mas estamos a dar os primeiros passos. E também queremos levar isto para o palco.
Idealmente, o que é que as pessoas deviam estar a fazer enquanto ouvem esta música?
JN: Já pensei nisso tanta vez [risos]. Ao contrário do que se possa pensar, eu acho que este não é um disco de clube, de pista. Vejo-me mais a ouvir isto no carro, em altos berros…
PQ: Depois da meia-noie. Acho que é um disco para ouvir-se com atenção, de uma ponta à outra.
(Teratron)
Teratron
Teratron
The Red Kids/ EMI
Em escalas distintas e para públicos não inteiramente coincidentes, os Buraka Som Sistema e os Photonz (e a lista aumenta se se vasculhar em alguns nichos) encontraram na música de dança a linguagem global certa para que eles e as suas produções pulem fronteiras com toda a naturalidade. Uma naturalidade que, por questões culturais, a pop e o rock português (sobretudo o que é cantado em inglês, mas o bloqueio está muito para lá das questões de idioma) muito dificilmente algum dia “conquistarão” – e sim, a naturalidade também se manufactura.
O álbum de estreia da dupla Teratron também usa o esperanto da música de dança, e com uma fluência algo surpreendente para quem agora mostra as suas primeiras músicas em público. Uma surpresa que aumenta mais um pouco quando se sabe que este é um projecto de João Nobre e Pedro Quaresma, baixista e guitarrista dos Da Weasel. Não é frequente os músicos de longa data de bandas de sucesso lançarem-se em aventuras paralelas que nada têm a ver com o som que os tornou conhecidos, mas aqui não há dúvidas: exceptuando, vá lá, os socos de baixo funky que assomam pontualmente durante “Miss Monique” e a guitarra à Prince que fustiga “Little Little Pussy”, os Teratron e os Da Weasel são coisas radicalmente diferentes. Teratron progride quase como uma megamix; tem é mais subtilezas e mudanças de tonalidades. No jogo de forças entre o electro e o house que dura durante as dez faixas, o festim ritmíco directo do house começa levar uma certa dianteira, mas é mais perto do electro abrasivo que o disco se conclui. A sombra dos Daft Punk paira sobre todo este álbum febril; sente-se nas cores carregadas e na tridimensionalidade do som, e sente-se no óptimo conceito visual da dupla semi-anónima, meio super-heróis, meio marginais. Melhor referência não há, e cola-se bem a um disco físico, afogueado.
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