Mind da Gap - Entrevista
Publicado na Time Out Porto de Abril:
O que acontece no hip-hop quando já se passou dos 30 anos e a vida é mais do que festas ao fins-de-semana? No caso dos Mind da Gap a solução é assegurar A Essência. O álbum chega no dia 26.
Sendo este o vosso primeiro álbum de originais em quatro anos, ele parece dizer, “Isto é o que sempre fizemos. Não se esqueçam de nós”. Era isto que queriam fazer passar?
Serial: Não é bem dessa forma.
Presto: É, mas acabou por ficar assim. Acho que havia uma noção de que não íamos fazer as coisas como no Edição Ilimitada [último disco de material novo, de 2006]. Queríamos simplificar, ser mais objectivos e talvez menos experimentais, e quando estávamos a trabalhar no disco começámos a ter a consciência de que as coisas estavam mesmo a soar dessa forma. Fizemos as músicas muito rapidamente. O Serial, como de costume, apresentou-nos os beats, e depois as letras foram escritas no espaço de alguns meses. Nesse sentido, foi um álbum rápido e muito fácil de criar.
Em A Essência vocês estreiam-se numa editora independente, a Meifumado. Nos dias que correm, em que os discos vendem tão pouco, há uma diferença assim tão grande entre trabalhar para uma pequena editora ou para uma multinacional (como foi o vosso caso até agora, com a NorteSul)?
S: Vamos ver [risos].
P: Ainda não temos experiência suficiente para dizer o que é que achamos.
S: Para já, a grande diferença é que os donos da editora são amigos, são pessoas que já conhecemos há bastante tempo e não com um relacionamento de “patrão-empregado”. Em princípio, isso deve facilitar um bocado as coisas.
P: É mais fácil aceder às altas instâncias [risos].
S: E esta não é uma editora que esteja muito preocupada em vender imensos discos, o que para nós é óptimo. Até pode ter as mesmas ambições [de uma editora multinacional], mas não há pressão.
P: Não temos que passar pelas reuniões de marketing, de às vezes ter de falar com pessoas que não estão muito ligadas ao meio da música, e que não conseguem compreender muito bem (pelo menos é essa a ideia que nos passam) como se deve promover um disco.
S: São pessoas que estão a trabalhar com artistas de outros géneros musicais e que não sabem como é que hão-de pegar no nosso disco. Ficam um bocado à toa. Um gajo chega lá e eles começam a dizer uns yos muito forçados. Nós nem dizemos yo.
P: A NorteSul já não é bem a NorteSul, é a iPlay. As coisas mudaram. Foram muito importantes para a nossa carreira, e a porta ficou aberta – quando saímos, ficámos de boas relações com eles. Só que queríamos experimentar outras coisas.
A teoria corrente diz que, com o download ilegal, as bandas deixaram de ganhar dinheiro com os discos que publicam. Mas as coisas mudaram assim tanto? Vocês alguma vez ganharam dinheiro que se visse com os discos?
S: Com discos? Nunca ganhámos alguma coisa a que se possa chamar dinheiro. Só uns trocos, muito pouco. Há muita gente que não faz a mínima ideia. Quando estou a falar com amigos que não são da cena musical e lhes digo que não ganho dinheiro com os discos, eles… não percebem muito bem.
P: Recebe-se muito pouco por vender discos. A não ser que se venda mesmo muito. Ganhar dinheiro, ter rendimentos para sobreviver, é nos concertos.
S: Mas com esta história da pirataria vai-se perder qualidade em termos técnicos. Se as editoras não tiverem dinheiro, deixa-se de gravar com as condições que se usavam antigamente. E isso, pelo menos para mim, é muito importante.
O que gostam mais e menos no hip-hop que se faz em 2010?
P: Hoje em dia gosto de muito pouca coisa. É mais difícil descobrir coisas boas. Sempre fui um fã do J Dilla, A Tribe Called Quest e essa onda, e continuo a ouvir as produções do Madlib. Gostei muito de um álbum que os Clipse lançaram há dois anos [Hell Hath No Fury – saiu em 2006]. Também vamos ouvindo algumas coisas mais alternativas.
Acham que é mais difícil encontrar coisas originais no hip-hop?
S: É preciso procurar. E quando conseguimos encontrar alguma coisa mesmo fixe, nós vibramos com aquilo.
P: O hip-hop da nossa geração é diferente do de hoje, que é completamente massificado – 50 Cent e essas coisas. O hip-hop dos anos 90 era muito pouco apoiado a nível de editoras. Era uma coisa que se tinha de procurar. Quando começou a ficar massificado, a música também começou a mudar – e começou a perder qualidade. É completamente plástico, a maior parte do hip-hop que agora se ouve vindo dos Estados Unidos, e é como dantes: temos que andar à procura, e as coisas que gostamos são muitas vezes as coisas que não se ouvem.
E onde é que vocês se encaixam nas polémicas sobre o uso abusivo, ou não, do auto-tune? Não parece que seja coisa que vocês empreguem…
S: Não usamos.
P: Usamos uma coisa parecida.
S: Não é auto-tune, porque a ideia era ser uma voz robótica. O auto-tune também é um bocado isso, mas a nossa cena era mesmo fazer algo meio robô.
P: Para quem não sabe, e ouvir a música em questão [“Abre os Olhos”, faixa “escondida” no final de A Essência], vai achar que aquilo é auto-tune, mas por acaso não é. Isso também foi uma onda que pegou nos Estados Unidos. De repente, é tudo auto-tune. Não nos cativa especialmente, mas também não chateia. Antes já havia aquelas cenas na costa oeste, as cenas do Roger Troutman [vocalista dos Zapp, banda funk dos anos 70 e 80], como é que se chamava o efeito que ele usava na voz?
S: Vocoder.
P: O auto-tune é um bocado parecido. Já se andava a rondar aquilo no hip-hop. De repente, houve uns gajos que tornaram aquilo a marca registada deles e passou a bater aí em todo o lado.
S: A massificação é que estraga tudo.
O que é que se passa com o hip-hop no Porto?
P: É uma boa pergunta. Vai-se passando. Nós também estamos um bocado afastados. Já não vamos tanto às festas, já temos famílias, já ficamos mais por casa… Vai continuando a haver festas de hip-hop, mas o que aconteceu foi que, há uns anos atrás, havia praticamente só uma festa, onde se juntava toda a gente do Grande Porto. Passada essa fase, o pessoal foi-se dividindo: o pessoal de Matosinhos, de Gaia, do Porto. E depois subdividiu-se ainda mais: já não era só o pessoal do Porto, era o pessoal do bairro dali, do bairro dacolá… O hip-hop no Porto fragmentou-se. Mas continua a haver bandas a fazer as suas cenas, a editar discos, só que é mesmo no underground. É um circuito fechado, que só quem está dentro do hip-hop é que conhece. O pessoal do [circuito hip-hop do] resto do país conhece, mas fora isso… não sai daí.
Há gente nova a fazer hip-hop no Porto, ou são os mesmos de há cinco, sete anos?
P: Não são exactamente os mesmos, vão-se renovando, mas não é uma data de gente. O “Não Pára” [tema do novo álbum, com a participação de Valete] fala um bocado disso. Não achamos que haja muita, muita gente. Há festas que continuam cheias, mas há outras que estão completamente às moscas. Quem aparece são aqueles putos que gostam mesmo de hip-hop, mas fora isso não há um movimento muito grande. Acho até que decaiu um bocado nos últimos anos. O hip-hop é um movimento um pouco juvenil – passa-se uma certa idade e há muita gente que deixa de se interessar.
O que acontece no hip-hop quando já se passou dos 30 anos e a vida é mais do que festas ao fins-de-semana? No caso dos Mind da Gap a solução é assegurar A Essência. O álbum chega no dia 26.
Sendo este o vosso primeiro álbum de originais em quatro anos, ele parece dizer, “Isto é o que sempre fizemos. Não se esqueçam de nós”. Era isto que queriam fazer passar?
Serial: Não é bem dessa forma.
Presto: É, mas acabou por ficar assim. Acho que havia uma noção de que não íamos fazer as coisas como no Edição Ilimitada [último disco de material novo, de 2006]. Queríamos simplificar, ser mais objectivos e talvez menos experimentais, e quando estávamos a trabalhar no disco começámos a ter a consciência de que as coisas estavam mesmo a soar dessa forma. Fizemos as músicas muito rapidamente. O Serial, como de costume, apresentou-nos os beats, e depois as letras foram escritas no espaço de alguns meses. Nesse sentido, foi um álbum rápido e muito fácil de criar.
Em A Essência vocês estreiam-se numa editora independente, a Meifumado. Nos dias que correm, em que os discos vendem tão pouco, há uma diferença assim tão grande entre trabalhar para uma pequena editora ou para uma multinacional (como foi o vosso caso até agora, com a NorteSul)?
S: Vamos ver [risos].
P: Ainda não temos experiência suficiente para dizer o que é que achamos.
S: Para já, a grande diferença é que os donos da editora são amigos, são pessoas que já conhecemos há bastante tempo e não com um relacionamento de “patrão-empregado”. Em princípio, isso deve facilitar um bocado as coisas.
P: É mais fácil aceder às altas instâncias [risos].
S: E esta não é uma editora que esteja muito preocupada em vender imensos discos, o que para nós é óptimo. Até pode ter as mesmas ambições [de uma editora multinacional], mas não há pressão.
P: Não temos que passar pelas reuniões de marketing, de às vezes ter de falar com pessoas que não estão muito ligadas ao meio da música, e que não conseguem compreender muito bem (pelo menos é essa a ideia que nos passam) como se deve promover um disco.
S: São pessoas que estão a trabalhar com artistas de outros géneros musicais e que não sabem como é que hão-de pegar no nosso disco. Ficam um bocado à toa. Um gajo chega lá e eles começam a dizer uns yos muito forçados. Nós nem dizemos yo.
P: A NorteSul já não é bem a NorteSul, é a iPlay. As coisas mudaram. Foram muito importantes para a nossa carreira, e a porta ficou aberta – quando saímos, ficámos de boas relações com eles. Só que queríamos experimentar outras coisas.
A teoria corrente diz que, com o download ilegal, as bandas deixaram de ganhar dinheiro com os discos que publicam. Mas as coisas mudaram assim tanto? Vocês alguma vez ganharam dinheiro que se visse com os discos?
S: Com discos? Nunca ganhámos alguma coisa a que se possa chamar dinheiro. Só uns trocos, muito pouco. Há muita gente que não faz a mínima ideia. Quando estou a falar com amigos que não são da cena musical e lhes digo que não ganho dinheiro com os discos, eles… não percebem muito bem.
P: Recebe-se muito pouco por vender discos. A não ser que se venda mesmo muito. Ganhar dinheiro, ter rendimentos para sobreviver, é nos concertos.
S: Mas com esta história da pirataria vai-se perder qualidade em termos técnicos. Se as editoras não tiverem dinheiro, deixa-se de gravar com as condições que se usavam antigamente. E isso, pelo menos para mim, é muito importante.
O que gostam mais e menos no hip-hop que se faz em 2010?
P: Hoje em dia gosto de muito pouca coisa. É mais difícil descobrir coisas boas. Sempre fui um fã do J Dilla, A Tribe Called Quest e essa onda, e continuo a ouvir as produções do Madlib. Gostei muito de um álbum que os Clipse lançaram há dois anos [Hell Hath No Fury – saiu em 2006]. Também vamos ouvindo algumas coisas mais alternativas.
Acham que é mais difícil encontrar coisas originais no hip-hop?
S: É preciso procurar. E quando conseguimos encontrar alguma coisa mesmo fixe, nós vibramos com aquilo.
P: O hip-hop da nossa geração é diferente do de hoje, que é completamente massificado – 50 Cent e essas coisas. O hip-hop dos anos 90 era muito pouco apoiado a nível de editoras. Era uma coisa que se tinha de procurar. Quando começou a ficar massificado, a música também começou a mudar – e começou a perder qualidade. É completamente plástico, a maior parte do hip-hop que agora se ouve vindo dos Estados Unidos, e é como dantes: temos que andar à procura, e as coisas que gostamos são muitas vezes as coisas que não se ouvem.
E onde é que vocês se encaixam nas polémicas sobre o uso abusivo, ou não, do auto-tune? Não parece que seja coisa que vocês empreguem…
S: Não usamos.
P: Usamos uma coisa parecida.
S: Não é auto-tune, porque a ideia era ser uma voz robótica. O auto-tune também é um bocado isso, mas a nossa cena era mesmo fazer algo meio robô.
P: Para quem não sabe, e ouvir a música em questão [“Abre os Olhos”, faixa “escondida” no final de A Essência], vai achar que aquilo é auto-tune, mas por acaso não é. Isso também foi uma onda que pegou nos Estados Unidos. De repente, é tudo auto-tune. Não nos cativa especialmente, mas também não chateia. Antes já havia aquelas cenas na costa oeste, as cenas do Roger Troutman [vocalista dos Zapp, banda funk dos anos 70 e 80], como é que se chamava o efeito que ele usava na voz?
S: Vocoder.
P: O auto-tune é um bocado parecido. Já se andava a rondar aquilo no hip-hop. De repente, houve uns gajos que tornaram aquilo a marca registada deles e passou a bater aí em todo o lado.
S: A massificação é que estraga tudo.
O que é que se passa com o hip-hop no Porto?
P: É uma boa pergunta. Vai-se passando. Nós também estamos um bocado afastados. Já não vamos tanto às festas, já temos famílias, já ficamos mais por casa… Vai continuando a haver festas de hip-hop, mas o que aconteceu foi que, há uns anos atrás, havia praticamente só uma festa, onde se juntava toda a gente do Grande Porto. Passada essa fase, o pessoal foi-se dividindo: o pessoal de Matosinhos, de Gaia, do Porto. E depois subdividiu-se ainda mais: já não era só o pessoal do Porto, era o pessoal do bairro dali, do bairro dacolá… O hip-hop no Porto fragmentou-se. Mas continua a haver bandas a fazer as suas cenas, a editar discos, só que é mesmo no underground. É um circuito fechado, que só quem está dentro do hip-hop é que conhece. O pessoal do [circuito hip-hop do] resto do país conhece, mas fora isso… não sai daí.
Há gente nova a fazer hip-hop no Porto, ou são os mesmos de há cinco, sete anos?
P: Não são exactamente os mesmos, vão-se renovando, mas não é uma data de gente. O “Não Pára” [tema do novo álbum, com a participação de Valete] fala um bocado disso. Não achamos que haja muita, muita gente. Há festas que continuam cheias, mas há outras que estão completamente às moscas. Quem aparece são aqueles putos que gostam mesmo de hip-hop, mas fora isso não há um movimento muito grande. Acho até que decaiu um bocado nos últimos anos. O hip-hop é um movimento um pouco juvenil – passa-se uma certa idade e há muita gente que deixa de se interessar.
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