Duran Duran

Originalmente publicado no extinto Fundo de Catálogo no Blitz em Janeiro de 2003.

DURAN DURAN
«RIO»
EMI, 1982

«The sun slips down bedding heavy behind/ The front of your dress all shadowy lined/ And the droning engine throbs in time/ With your beating heart.»

1982 foi um bom ano para a pop que se quer do lado escondido da elegância, isto é, perturbada pelas peças que não encaixam da excentricidade em vários estados de desarranjo e/ou depuração. É verdade que, sobretudo em retrospectiva, já se pressentia no álbum homónimo de estreia dos Duran Duran, em 1981, a ligação à ambiguidade glam-chic transposta (também) para som dos Roxy Music, mas é sobretudo com «Rio», ainda por cima publicado quase em simultâneo com «Avalon», o derradeiro registo de originais da banda de Brian Ferry, que a herança, radicalmente actualizada, melhor se evidencia.
Depois de, no ano anterior, terem ajudado a lançar o movimento neo-romântico/ futurista para o estrelato e para a dianteira das correntes estéticas da época, em 82 os Duran Duran eram a banda mais sexy, dandy, confiante e famosa do planeta. Os relatos das suas passagens por uma vasta colecção de países, Portugal incluído, falavam de uma comoção colectiva semelhante à da beatlemania. Estava na hora de verter a euforia para essa instituição tantas vezes desconsiderada, o segundo álbum criado à velocidade imposta pelos acontecimentos.
«Duran Duran» projectava um mundo arty, curvilíneo e debruado a folhos, imaginado através da janela de um quarto numa cidade parda do Reino Unido. «Rio» é o álbum de fotografias de quem viu a fantasia transformada em realidade hipercolorida à velocidade do flash de uma máquina fotográfica, através de um trepidante passeio pelo mundo. É um disco de vencedores sem complexos de culpa, um disco de champanhe e iates, louras e morenas em fatos de banho assimétricos e arriscados, exploradores de charme brit nos recantos selvagens do planeta, imagens recolhidas em telediscos sumptuosos.
«Rio» é também um extraordinário e eufórico álbum pop, onde a new wave e o funk branco e glacial adquirem a sofisticação plástica que um admirável mundo novo merece. A bateria de Roger Taylor tem o som de detonações em série num laboratório «hi tech». John Taylor faz desenhos melódicos a três dimensões com o baixo. A guitarra de Andy Taylor liberta o lado aceitável do rock FM em doses vigiadas. Nas teclas, Nick Rhodes encarna o sonho do esteta frio, elegante e arty, filho de Andy Warhol e Brian Eno. Na voz, no primeiro plano, Simon Le Bon é o genuíno, o último dos famosos playboys internacionais, a cereja no cimo do bolo do bilhete de identidade sonoro dos Duran Duran.
Este é o som festivo de uma banda que, contra todos os preconceitos de classe hippie e punk, se confirma como uma das melhores criadoras de canções da era moderna da música popular. Com uma linguagem individual, inovadora, capaz dessa coisa tão rara: captar e moldar o ar do tempo. E só apetece fazer luz nos pormenores, como o saxofone que faz de «Rio» uma festa eterna; ou os cinco segundos iniciais de «Hungry Like the Wolf», da gargalhada feminina à guitarra felina que derrete a resistência; ou os claustros de neon branco dos Japan e a poesia esquizofrénica de «New Religion»; ou as nuvens de seda que toldam a respiração lentamente em «Save a Prayer»; ou a orquestra de câmara traduzida em sintetizadores em «The Chauffeur». Os anos 80 celebravam-se, sem medos. Os descendentes ainda não os souberam encontrar.

Contemporâneos:
«Sulk» – The Associates
«Kissing to Be Clever» – Culture Club
«The Lexicon of Love» - ABC

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