Alexander O'Neil
Versão integral do texto que inaugurou a extinta secção Fundo de Catálogo no Blitz em Março de 2002.
ALEXANDER O’NEIL
«HEARSAY»
Tabu Records, 1987
Em 1987, proceder à manutenção e evolução do formato soul não era exactamente uma tarefa prioritária. Para quê perder tempo com um género aparentemente gasto, numa altura em que Prince marcava o apogeu (dele, e da música popular na década de 80), com «Sign O’ the Times», em que Miles Davis voltara a rimar com a modernidade nos sofisticados «You’re Under Arrest» e «Tutu», em que os Cameo traziam o electro-funk de George Clinton para o seio da pop, e quando o hip-hop começava a transformar inquietação e violência em arte via Public Enemy e, um ano depois, N. W. A., sem esquecer as inovações de Mantronix?
Numa altura em que a soul equivalia a pouco mais do que arranjos pegajosos e provas de esforço vocais, dois registos marcaram um claro sinal de resistência. Um ano antes, Anita Baker reinventara o classicismo do género em formato mais contemplativo, através do notável «Rapture». No entanto, a entrada nas celebrações sonoras da época deu-se com «Hearsay», segundo álbum de um cavalheiro com pinta de mulherengo chamado Alexander O’Neil.
À sua maneira, a excelência e a importância de «Hearsay» também estão ligadas à nuvem de fantasia e inspiração visionárias que envolvia Prince e respectiva corte sediada em Minneapolis. Em 1978, Alexander O’Neil juntara-se a um grupo local chamado Flyte Tyme, onde pontificavam Jimmy Jam e Terry Lewis. Três anos mais tarde, reza a lenda, Prince assume o papel de mentor do grupo, mudando-lhe o nome para The Time, e trocando o ortodoxo O’Neil pelo mais extravagante Morris Day. Mas não foi por isso que Jam e Lewis, acompanhados de outros Time, como Jellybean Johnson e Jerome Benton, deixaram de marcar presença decisiva nos primeiros e eufóricos anos de carreira a solo de Alexander O’Neil.
«Hearsay» constitui um dos três momentos de apoteose do som criado por Jimmy Jam e Terry Lewis no papel de produtores (os outros, de que se falará aqui um dia, são «Control», de Janet Jackson, e «Crash», dos Human League). Um som luxuriante, onde os sintetizadores tomam conta das operações, arquitectando ambientes de um requinte vestido do mais essencial artificialismo. Uma linguagem instrumental funk depurada até ao tutano, a mergulhar de cabeça na tecnologia, onde a secura das linhas de baixo maquinal é geralmente acompanhada por batidas encharcadas de eco e efeitos luxuriantes e tridimensionais, mais um feixe de malhas harmónicas a imitar cordas, em descendência directa da robopop obscena de Prince em «Dirty Mind», «Controversy» ou «1999». Assim vestiram Jam e Lewis a voz carismática de O’Neil, dando nova vida à soul clássica e emitindo os primeiros sinais do edifício r&b moderno, na sua união de pop, soul, funk e electrónica.
O disco tem a forma de uma festa, com os rumores de vozes e o tilintar de copos a servir de cortina sonora a inúmeros jogos de sedução. O lado A (coisas do vinil...), apela mais à dança, e aí se encontram os grandes êxitos «Fake» e «Criticize». O lado B contém uma «suite» feita banda sonora para amantes que se juntam madrugada dentro, reeditando um dueto com Cherrelle (já houvera «Saturday Love», em 86) em «Never Knew Love Like This». Pouco depois, Alexander O’Neil anuncia o fim da festa, argumento para ficar a sós com a dama escolhida. Último tema? «When the Party’s Over».
Depois do enorme sucesso de «Hearsay», a estrela do cantor foi empalidecendo, sobretudo nos anos 90, onde lançou três álbuns que passaram a leste da atenção geral. Tem um novo álbum, acabado de sair, chamado «The Saga of a Married Man». Sim, Alexander O’Neil é agora um homem casado, pai de oito filhos. Quanto ao disco que o inscreve na história, desapareceu de circulação. Resta um punhado de colectâneas, ou algum trabalho arqueológico em lojas de antiguidades...
Descendências:
«Black Diamond» - Angie Stone
«All for You» - Janet Jackson
«No More Drama» - Mary J. Blige
Jorge Manuel Lopes
ALEXANDER O’NEIL
«HEARSAY»
Tabu Records, 1987
Em 1987, proceder à manutenção e evolução do formato soul não era exactamente uma tarefa prioritária. Para quê perder tempo com um género aparentemente gasto, numa altura em que Prince marcava o apogeu (dele, e da música popular na década de 80), com «Sign O’ the Times», em que Miles Davis voltara a rimar com a modernidade nos sofisticados «You’re Under Arrest» e «Tutu», em que os Cameo traziam o electro-funk de George Clinton para o seio da pop, e quando o hip-hop começava a transformar inquietação e violência em arte via Public Enemy e, um ano depois, N. W. A., sem esquecer as inovações de Mantronix?
Numa altura em que a soul equivalia a pouco mais do que arranjos pegajosos e provas de esforço vocais, dois registos marcaram um claro sinal de resistência. Um ano antes, Anita Baker reinventara o classicismo do género em formato mais contemplativo, através do notável «Rapture». No entanto, a entrada nas celebrações sonoras da época deu-se com «Hearsay», segundo álbum de um cavalheiro com pinta de mulherengo chamado Alexander O’Neil.
À sua maneira, a excelência e a importância de «Hearsay» também estão ligadas à nuvem de fantasia e inspiração visionárias que envolvia Prince e respectiva corte sediada em Minneapolis. Em 1978, Alexander O’Neil juntara-se a um grupo local chamado Flyte Tyme, onde pontificavam Jimmy Jam e Terry Lewis. Três anos mais tarde, reza a lenda, Prince assume o papel de mentor do grupo, mudando-lhe o nome para The Time, e trocando o ortodoxo O’Neil pelo mais extravagante Morris Day. Mas não foi por isso que Jam e Lewis, acompanhados de outros Time, como Jellybean Johnson e Jerome Benton, deixaram de marcar presença decisiva nos primeiros e eufóricos anos de carreira a solo de Alexander O’Neil.
«Hearsay» constitui um dos três momentos de apoteose do som criado por Jimmy Jam e Terry Lewis no papel de produtores (os outros, de que se falará aqui um dia, são «Control», de Janet Jackson, e «Crash», dos Human League). Um som luxuriante, onde os sintetizadores tomam conta das operações, arquitectando ambientes de um requinte vestido do mais essencial artificialismo. Uma linguagem instrumental funk depurada até ao tutano, a mergulhar de cabeça na tecnologia, onde a secura das linhas de baixo maquinal é geralmente acompanhada por batidas encharcadas de eco e efeitos luxuriantes e tridimensionais, mais um feixe de malhas harmónicas a imitar cordas, em descendência directa da robopop obscena de Prince em «Dirty Mind», «Controversy» ou «1999». Assim vestiram Jam e Lewis a voz carismática de O’Neil, dando nova vida à soul clássica e emitindo os primeiros sinais do edifício r&b moderno, na sua união de pop, soul, funk e electrónica.
O disco tem a forma de uma festa, com os rumores de vozes e o tilintar de copos a servir de cortina sonora a inúmeros jogos de sedução. O lado A (coisas do vinil...), apela mais à dança, e aí se encontram os grandes êxitos «Fake» e «Criticize». O lado B contém uma «suite» feita banda sonora para amantes que se juntam madrugada dentro, reeditando um dueto com Cherrelle (já houvera «Saturday Love», em 86) em «Never Knew Love Like This». Pouco depois, Alexander O’Neil anuncia o fim da festa, argumento para ficar a sós com a dama escolhida. Último tema? «When the Party’s Over».
Depois do enorme sucesso de «Hearsay», a estrela do cantor foi empalidecendo, sobretudo nos anos 90, onde lançou três álbuns que passaram a leste da atenção geral. Tem um novo álbum, acabado de sair, chamado «The Saga of a Married Man». Sim, Alexander O’Neil é agora um homem casado, pai de oito filhos. Quanto ao disco que o inscreve na história, desapareceu de circulação. Resta um punhado de colectâneas, ou algum trabalho arqueológico em lojas de antiguidades...
Descendências:
«Black Diamond» - Angie Stone
«All for You» - Janet Jackson
«No More Drama» - Mary J. Blige
Jorge Manuel Lopes
Comentários
classico! O lado B fez varias bandas sonoras...