The Orb
Originalmente publicado no extinto Fundo de Catálogo no Blitz em Maio ou Junho de 2003.
THE ORB
«THE ORB’S ADVENTURES BEYOND THE ULTRAWORLD»
Island, 1991
Em 1991, aconteceu um esforço não concertado para produzir um número anormalmente elevado de discos excepcionais. Como «Loveless», dos My Bloody Valentine. Ou «Blue Lines», dos Massive Attack. Ou «Nevermind», dos Nirvana. Ou «Screamadelica», dos Primal Scream. Momento maior da ascensão de uma banda rock a um céu extasiado, «Screamadelica» tem como uma das duas peças centrais (a outra é «Loaded») um estremecimento em dois actos chamado «Higher Than the Sun». O primeiro acto é produzido pelos Orb, nome que tem servido a Dr. Alex Patterson para dar passeios siderais em boa e diversa companhia.
Uns meses antes de «Screamadelica», os Orb haviam concretizado um registo de estreia que atava ideias dispersas por formatos mais pequenos e tratava de actualizar, para a idade das raves e da paixão química-electrónica, a ideia do mega-álbum conceptual dos 70s, contemplativo e hedonista, embebido do sentido de exploração espacial como metáfora da viagem interior de sabor ácido. À distância de uma dúzia de anos, «The Orb’s Adventures Beyond the Ultraworld» reflecte uma separação mais acentuada entre o domínio ambiental absorvido da escola Brian Eno na qual se tentou, na altura, inscrever o registo (o que se escuta interfere demasiado com a percepção do ouvinte para se enquadrar neste departamento), e os ritmos planantes e a minúcia de estímulos de sonoplastia que marca o conceito de chill-out. Pelo grau de perturbação que se agita mansamente sob a pele, «..Ultraworld» é, sobretudo, uma obra marcante no conceito do chill-out.
Curiosamente, um ano antes, um ex-colaborador dos Orb chamado Jim Cauty antecipara-se no baptismo 90s da expressão ao lançar, a bordo dos KLF, o álbum «Chill Out». Felizmente, o trabalho de Patterson e Cauty não foi totalmente excluído de «...Ultraworld» - sobrou a derradeira faixa, «A Huge Ever Growing Pulsating Brain That Rules from the Centre of the Ultraworld: Live Mix Mk 10», que passa 14 minutos em expectativa digital até desencantar uma propulsão rítmica que parece cruzar os motores de uma vaivém espacial com as hélices de um helicóptero um palmo acima da cabeça do ouvinte, que passa pelo palco durante um instante antes de retomar o estado de latência inicial, rumo à anestesia total.
Em 1991, o fluxo de coadjuvantes de Alex Patterson estabilizara em Kris Weston, carinhosamente conhecido como Thrash, o que não impediu o recurso a vários e distintos convidados, de Steve Hillage, ex-Gong e ainda System 7, a Thomas Fehlmann, mais tarde um Orb a tempo inteiro. O exemplo mais feliz vem de Youth, com quem Patterson percorrera os palcos como roadie dos Killing Joke, que auxiliou na criação do tema mais conhecido dos Orb, o clássico «Little Fluffy Clouds», onde um sample da voz de Rickie Lee Jones fala do mais belo céu do mundo e a propulsão rítmica é a autobahn de tijolos amarelos para a estratosfera.
«...Ultraworld» também contém baixos e um controlado arsenal de programações emitidos do epicentro terrestre, vozes de astronautas a pairar sobre uma pulsação de lava, e uma mistura improvável de espiritualidade dopada e humor cubista, que tanto orienta as passagens pelo imaginário extra-terrestre como o recurso à imagem da monumental e iconográfica Battersea Power Station, na margem sul do Tamisa, em Londres, imortalizada na capa de «Animals», dos Pink Floyd (e que regressaria, em módulo insuflável, no duplo «Live 93»). Ou como do pós-pós punk se fez, de novo, o prog.
Descendências:
-«Dead Elvis» - Death in Vegas
-«+» - @c
-«Geogaddi» - Boards of Canada
Jorge Manuel Lopes
THE ORB
«THE ORB’S ADVENTURES BEYOND THE ULTRAWORLD»
Island, 1991
Em 1991, aconteceu um esforço não concertado para produzir um número anormalmente elevado de discos excepcionais. Como «Loveless», dos My Bloody Valentine. Ou «Blue Lines», dos Massive Attack. Ou «Nevermind», dos Nirvana. Ou «Screamadelica», dos Primal Scream. Momento maior da ascensão de uma banda rock a um céu extasiado, «Screamadelica» tem como uma das duas peças centrais (a outra é «Loaded») um estremecimento em dois actos chamado «Higher Than the Sun». O primeiro acto é produzido pelos Orb, nome que tem servido a Dr. Alex Patterson para dar passeios siderais em boa e diversa companhia.
Uns meses antes de «Screamadelica», os Orb haviam concretizado um registo de estreia que atava ideias dispersas por formatos mais pequenos e tratava de actualizar, para a idade das raves e da paixão química-electrónica, a ideia do mega-álbum conceptual dos 70s, contemplativo e hedonista, embebido do sentido de exploração espacial como metáfora da viagem interior de sabor ácido. À distância de uma dúzia de anos, «The Orb’s Adventures Beyond the Ultraworld» reflecte uma separação mais acentuada entre o domínio ambiental absorvido da escola Brian Eno na qual se tentou, na altura, inscrever o registo (o que se escuta interfere demasiado com a percepção do ouvinte para se enquadrar neste departamento), e os ritmos planantes e a minúcia de estímulos de sonoplastia que marca o conceito de chill-out. Pelo grau de perturbação que se agita mansamente sob a pele, «..Ultraworld» é, sobretudo, uma obra marcante no conceito do chill-out.
Curiosamente, um ano antes, um ex-colaborador dos Orb chamado Jim Cauty antecipara-se no baptismo 90s da expressão ao lançar, a bordo dos KLF, o álbum «Chill Out». Felizmente, o trabalho de Patterson e Cauty não foi totalmente excluído de «...Ultraworld» - sobrou a derradeira faixa, «A Huge Ever Growing Pulsating Brain That Rules from the Centre of the Ultraworld: Live Mix Mk 10», que passa 14 minutos em expectativa digital até desencantar uma propulsão rítmica que parece cruzar os motores de uma vaivém espacial com as hélices de um helicóptero um palmo acima da cabeça do ouvinte, que passa pelo palco durante um instante antes de retomar o estado de latência inicial, rumo à anestesia total.
Em 1991, o fluxo de coadjuvantes de Alex Patterson estabilizara em Kris Weston, carinhosamente conhecido como Thrash, o que não impediu o recurso a vários e distintos convidados, de Steve Hillage, ex-Gong e ainda System 7, a Thomas Fehlmann, mais tarde um Orb a tempo inteiro. O exemplo mais feliz vem de Youth, com quem Patterson percorrera os palcos como roadie dos Killing Joke, que auxiliou na criação do tema mais conhecido dos Orb, o clássico «Little Fluffy Clouds», onde um sample da voz de Rickie Lee Jones fala do mais belo céu do mundo e a propulsão rítmica é a autobahn de tijolos amarelos para a estratosfera.
«...Ultraworld» também contém baixos e um controlado arsenal de programações emitidos do epicentro terrestre, vozes de astronautas a pairar sobre uma pulsação de lava, e uma mistura improvável de espiritualidade dopada e humor cubista, que tanto orienta as passagens pelo imaginário extra-terrestre como o recurso à imagem da monumental e iconográfica Battersea Power Station, na margem sul do Tamisa, em Londres, imortalizada na capa de «Animals», dos Pink Floyd (e que regressaria, em módulo insuflável, no duplo «Live 93»). Ou como do pós-pós punk se fez, de novo, o prog.
Descendências:
-«Dead Elvis» - Death in Vegas
-«+» - @c
-«Geogaddi» - Boards of Canada
Jorge Manuel Lopes
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