Kanye West 1
texto originalmente publicado em Junho de 2004 no Blitz:
kanye west
the college dropout
Roc-a-Fella
«We weren’t supposed to make it past 25/ the joke’s on you we’re still alive» -- «We Don’t Care»
«And she be dealin with some issues that you can’t believe/ Single black female addicted to retail» -- «All Falls Down»
Kanye West diz estas coisas (no primeiro caso, põe um coro de crianças no seu lugar) à medida que vai montando um majestoso disco pop, o seu primeiro em nome próprio depois de alguns anos a apurar um estilo próprio compondo obras-primas para o conglomerado Roc-a-Fella, de Jay-Z (e não só: a doçura soul vintage de «You Don’t Know My Name», de Alicia Keys, também é da sua autoria). Um disco que vai em radical contra-mão face a uns quantos preceitos do que é suportável no hip hop em 2004: The College Dropout tem mais do que fôlego e argumentos para sustentar os seus quase 80 minutos; os abundantes skits têm propósitos narrativos e evidente valor de entretenimento; recorre a samples conhecidos por muito mais do que as 14 patéticas melgas old school do costume, e usa-os geralmente de uma forma mais ou menos «directa», com efeitos desconcertantemente demolidores.
«All Falls Down», que é uma das enormes canções de 2004, baseia-se num tema de Lauryn Hill e faz um upgrade da leveza dos Fugees. O apocalíptico «Jesus Walks» vem encharcado em dúvida e culpa (há até um coro gospel para ampliar a coisa), coisas pouco habituais na música negra urbana actual. Mais à frente, «Two Words», com Talib Kweli, Freeway e The Harlem Boys Choir, retoma a prédica católica, só que agora pragmaticamente vergada a um certo sentido de resignação ao lado cinzento do destino. Ainda na temática divina, o extraordinário «Never Let Me Down», com Jay-Z, faz referências ao acidente de automóvel que quase matou Kanye West há dois anos e à graça superior que o deixou ficar deste lado.
West também brilha sem citações literais de samples, como em «The New Workout Plan», com uma primeira parte em soluços r&b e uma recta final em módulo sucedâneo de house-gangsta-electro funk. «Slow Jamz», com Twista e Jamie Foxx a auxiliar nas vozes (também presente no álbum Kamikaze, de Twista, já recenseado nestas páginas), é a obra-prima que se conhece para camas de luxo em velocidades cruzadas, apologia actualizada de Luther Vandross e todos os outros reis da soul horizontal e jantar à luz de velas. O efeito da voz feminina hiper-acelerada de «Slow Jamz» é recuperado por um fantasma de Aretha Franklin em «School Spirit» (tem de ser single brevemente, não tem?). «Through the Wire» usa o mesmo método literal + voz a derrapar (fonte: «Through the Fire», de Chaka Khan), Kanye West como fénix renascida das chamas do acidente de viação para entregar funk relaxado fenomenal.
Há aqui argumentos criativos suficientes para ver em Kanye West o ponta de lança da geração urbana de produtores/ compositores/ intérpretes que sucede a Timbaland, Neptunes e Organized Noize; o contador de histórias para pôr Eminem em sentido.
kanye west
the college dropout
Roc-a-Fella
«We weren’t supposed to make it past 25/ the joke’s on you we’re still alive» -- «We Don’t Care»
«And she be dealin with some issues that you can’t believe/ Single black female addicted to retail» -- «All Falls Down»
Kanye West diz estas coisas (no primeiro caso, põe um coro de crianças no seu lugar) à medida que vai montando um majestoso disco pop, o seu primeiro em nome próprio depois de alguns anos a apurar um estilo próprio compondo obras-primas para o conglomerado Roc-a-Fella, de Jay-Z (e não só: a doçura soul vintage de «You Don’t Know My Name», de Alicia Keys, também é da sua autoria). Um disco que vai em radical contra-mão face a uns quantos preceitos do que é suportável no hip hop em 2004: The College Dropout tem mais do que fôlego e argumentos para sustentar os seus quase 80 minutos; os abundantes skits têm propósitos narrativos e evidente valor de entretenimento; recorre a samples conhecidos por muito mais do que as 14 patéticas melgas old school do costume, e usa-os geralmente de uma forma mais ou menos «directa», com efeitos desconcertantemente demolidores.
«All Falls Down», que é uma das enormes canções de 2004, baseia-se num tema de Lauryn Hill e faz um upgrade da leveza dos Fugees. O apocalíptico «Jesus Walks» vem encharcado em dúvida e culpa (há até um coro gospel para ampliar a coisa), coisas pouco habituais na música negra urbana actual. Mais à frente, «Two Words», com Talib Kweli, Freeway e The Harlem Boys Choir, retoma a prédica católica, só que agora pragmaticamente vergada a um certo sentido de resignação ao lado cinzento do destino. Ainda na temática divina, o extraordinário «Never Let Me Down», com Jay-Z, faz referências ao acidente de automóvel que quase matou Kanye West há dois anos e à graça superior que o deixou ficar deste lado.
West também brilha sem citações literais de samples, como em «The New Workout Plan», com uma primeira parte em soluços r&b e uma recta final em módulo sucedâneo de house-gangsta-electro funk. «Slow Jamz», com Twista e Jamie Foxx a auxiliar nas vozes (também presente no álbum Kamikaze, de Twista, já recenseado nestas páginas), é a obra-prima que se conhece para camas de luxo em velocidades cruzadas, apologia actualizada de Luther Vandross e todos os outros reis da soul horizontal e jantar à luz de velas. O efeito da voz feminina hiper-acelerada de «Slow Jamz» é recuperado por um fantasma de Aretha Franklin em «School Spirit» (tem de ser single brevemente, não tem?). «Through the Wire» usa o mesmo método literal + voz a derrapar (fonte: «Through the Fire», de Chaka Khan), Kanye West como fénix renascida das chamas do acidente de viação para entregar funk relaxado fenomenal.
Há aqui argumentos criativos suficientes para ver em Kanye West o ponta de lança da geração urbana de produtores/ compositores/ intérpretes que sucede a Timbaland, Neptunes e Organized Noize; o contador de histórias para pôr Eminem em sentido.
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