Massive Attack

Publicado em Fevereiro no Actual do Expresso:


Canções do Mar do Norte

O negrume não se perdeu nos sete anos em que os Massive Attack estiveram sem lançar álbum de originais. Muita gente canta em “Heligoland” – e Burial ainda há-de virar o disco do avesso.

Robert Del Naja está, de certa forma, “aliviado”. Ele conduz os Massive Attack há 22 anos e, apesar de a banda até ter uma produtividade relativamente normal, a dificuldade perfeccionista em chegar à versão definitiva de uma nova obra resulta num desnível acentuado entre sessões de gravação e canções tentadas (bastantes) e discografia oficial (poupada). “É óptimo quando, finalmente, se ‘empacota’ um disco novo; quando se fecha um capítulo e se sabe que já não se pode lá entrar de novo”, diz a única pessoa que, neste tempo todo, nunca se afastou do colectivo que mais rapidamente vem à cabeça quando se pensa na vasta contribuição para a música pop da cidade inglesa de Bristol.

O novo capítulo na discografia dos Massive Attack é um álbum chamado “Heligoland” (nome puxado de um minúsculo arquipélago alemão situado no Mar do Norte). Antes dele, na última década, só houve o best of “Collected” em 2006, mais a banda sonora do filme “Danny the Dog” em 2004. “100th Window”, o último álbum de canções, saiu há sete anos. Ainda assim, conta Del Naja, “muito do que se ouve em “Heligoland” nasceu rapidamente, nos últimos meses. Algumas já existiam há um certo tempo mas acabaram por ser totalmente reescritas. Outras, como ‘Pray for Rain’ e ‘Paradise Circus’, há muito que tinham as bases prontas, e foi só uma questão de regressar a elas e conclui-las. Prefiro fazer estas coisas com prazos apertados. A urgência de se saber que o tempo está quase a escoar-se obriga uma pessoa a concentrar-se e a separar rapidamente as boas ideias das más. Até ter esses prazos há muitos outros projectos a distrair-nos. Nos últimos anos andámos ocupados com bandas sonoras e com bastantes digressões, e viajar para toda a parte e tocar ao vivo não é o contexto ideal para uma pessoa se sentar a escrever canções, ou planear, ou conceptualizar o que quer que seja.” Há, de qualquer forma, um largo arquivo de temas que foram sendo gravados desde 2004 e que permanecem inéditos, incluindo canções com Elizabeth Fraser, Dot Allison, Mike Patton e Beth Orton: “Sim, há muito material que não está terminado, mas deve-se escolher bem aquilo que se quer projectar para o mundo. É uma questão de senso comum.”

“Heligoland” é o primeiro álbum de canções dos Massive Attack em 12 anos (ou seja, desde “Mezzanine”) em que Robert Dal Naja e Grant Marshall trabalham juntos. Por alturas de “100th Window”, Marshall tirou férias do grupo que ajudou a fundar, mas em 2006 já estava de regresso ao barco, como se constatou na passagem do grupo, nesse Verão, por palcos nacionais. Para o novo registo, Del Naja diz que ele e o companheiro chegaram munidos com o seu lote de composições, “pusemos as ideias de cada um em confronto e fizemos algumas coisas em conjunto. O Grant nunca gostou de passar muito tempo em estúdio. Ele é mais DJ e prefere o trabalho ao vivo, enquanto que eu sou do género de trabalhar nas salas de gravação, dia após dia, a cuidar de todos os detalhes. Acho que desta combinação de personalidades podem sair resultados intrigantes. De resto, o funcionamento com ele não mudou muito em relação ao que fizemos no passado, especialmente em “Mezzanine”. Ele não esteve presente, de todo, em “100th Window”, mas a nossa dinâmica mantém-se. As opiniões dele em relação ao que vai sendo feito são óptimas e bastante importantes.” Nas minuciosas construções de estúdio, Robert Del Naja conta com o auxílio de Neil Davidge, uma espécie de membro não oficial dos Massive Attack desde meados dos anos 1990.

Há uma equipa regular de vozes e músicos convidados que se reencontra em cada novo registo dos Massive Attack. Como nos elencos dos filmes da era dourada de Woody Allen, nos anos 1970 e 80, há uma colecção de nomes familiares e novas aquisições que poderão ajudar à consistência da obra. Horace Andy e Damon Albarn reaparecem em “Heligoland”. Martina Topley-Bird ainda não tinha passado por cá, mas o facto de ter sido a cara-metade de Tricky no essencial “Maxinquaye”, em 1995, torna a sua presença um caso de evidente cumplicidade estética. Also starring: Tunde Adebimpe dos TV on the Radio, Guy Garvey dos Elbow, Adrian Utley dos Portishead e Hope Sandoval, ex-Opal e Mazzy Star, agora com os Warm Inventions. E depois há as remisturas: em Outubro de 2009, Grant Marshall falava ao sítio da revista britânica Clash dos planos para entregar boa parte dos temas de “Heligoland” a Burial, para que daí nascesse algo conceptualmente na vizinhança do que Mad Professor fez em 1995, quando usou o dub para transformar material de “Protection”, gerando assim “No Protection”. Quando se quer saber mais sobre o que Burial vai fazer, Del Naja ri-se: “Isso são só rumores que andam por aí… Ainda não sabemos o que acontecerá, mas seria óptimo contar com o Burial.” A acontecer, a colaboração apontará as luzes do mainstream para os evidentes paralelismos entre os ambientes espessos do repertório dos Massive Attack e de um criador singular gerado no movimento dubstep. Tudo inscrito num contínuo estético-geográfico onde Bristol tem um papel decisivo: um contínuo que passa pelo pós-punk (de lá veio Mark Stewart), trip-hop (Massive Attack, Portishead, Earthling), jungle (Roni Size) e pára, por enquanto, no referido dubstep (Pinch, Peverelist, Gemmy).

Qual é a ideia mais errada que as pessoas têm acerca de Robert Del Naja? “Que sou um tipo gentil”, responde ele, antes de soltar o terceiro e último riso aberto da entrevista.

 
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Heligoland
Massive Attack
Virgin/EMI
A assinatura sonora dos Massive Attack não mais se alterou desde “Mezzanine”, de 1998: arranjos electrónicos circulares, entre o uterino, o solene e o distópico, e ritmos que se cansaram de fazer dançar mas que conservam um módico de groove e de graves. A cristalização estética não intrinsecamente má, mas os ingredientes em redor dos quais a dupla de Bristol cristalizou são limitados. E se “100th Window” (2003) já tinha um certo ar de fotocópia esbatida de “Mezzanine”, em “Heligoland” o efeito de desvanecimento acentua-se. As vozes convidadas não ajudam: não se pode esperar milagres do sonambulismo de Hope Sandoval ou do anonimato anasalado de Tunde Adebimpe, mas também há gente com talento (Damon Albarn, Horace Andy) que deve ter enviado os seus contributos por telefone. Só nas canções entregues a Martina Topley-Bird é que algo se agita em “Heligoland”: ‘Babel’ tem o nervo dos discos de Tricky em que Topley-Bird entrou, e ‘Psyche’ é um pedaço de canção linear que baloiça entre o psicadelismo britânico dos anos 1960 e a pop modernista dos Stereolab ou dos Saint Etienne.

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